Temos de agir antes que reservatórios sequem, diz Riss, do Charlie Hebdo

Escoltado por carros blindados, cartunista visitou a Cantareira ao lado do grafiteiro Mundano e criou charge para o jornal francês.

Foram algumas horas dentro de uma viatura, com escolta de mais três carros blindados, além de policiais federais armados. A missão, agradável e atípica para o Núcleo de Segurança de Dignitários, que escolta autoridades e pessoas consideradas em risco, era acompanhar o cartunista e diretor do jornal francês Charlie Hebdo, Laurent Sourisseau, conhecido como Riss.

O relato foi feito pelo artista e grafiteiro Mundano, escolhido para acompanhar o visitante durante sua expedição pela represa do sistema Cantareira, no início de julho deste ano. A aventura resultou uma charge, publicada na última edição do jornal francês, que retratou a atual crise hídrica de São Paulo.

Riss revelou durante sua breve passada pelo reservatório que a preocupação com a falta d’água deve ser mundial. “É preciso antecipar o problema, antes que os reservatórios estejam secos. Talvez na Europa não pensemos o suficientemente nessa questão. O fato de ver o que se passa aqui traz uma reflexão do que pode acontecer se não prestarmos a devida atenção a essa questão”, contou o cartunista.

O resultado publicado no jornal traz as diferenças enfrentadas pelos bairros de classe média e das favelas durante a falta de água. “Mesmo em uma rápida visita, ele conseguiu retratar com clareza o descaso do governo em relação à crise, dando mais visibilidade à má gestão dos recursos hídricos da maior cidade da América Latina”, explica Mundano.

A visita de Riss foi uma experiência jamais imaginada por Mundano. “Fomos escoltados por policiais armados de metralhadoras, coisa que eu só tinha visto em filme”, revela o artista, que foi escalado para essa missão por utilizar sua arte sempre para questionar conceitos e atitudes com frases de impacto e intervenções de acordo com o contexto local.

No reservatório, o grafiteiro já instalou cactos com torneiras e pintou o Carro da Cantareira, carcaça de um Escort 95 que se transformou em um dos principais símbolos da seca de São Paulo.

Riss é um dos sobreviventes do ataque terrorista contra a redação do Charlie Hebdo em janeiro deste ano. Ele tomou um tiro no ombro de uma Ak-47, prendeu a respiração pra se fingir de morto e, por isso, sobreviveu ao atentado.

Hoje ainda faz fisioterapia pra recuperar os movimentos do braço e é protegido 24 horas por dia. Essa é primeira viagem do cartunista depois da tragédia, que, além de visitar a Cantereira, participou de um do Congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativos (ABRAJI) para discutir a Liberdade de Expressão.

Mundano está com uma nova exposição em cartaz sobre a crise. Água Mole, Cidade Dura, tem criações inéditas que misturam sua crítica à má gestão dos recursos hídricos em São Paulo com elementos inspirados no sertão. As obras estão expostas até o dia 15 na King Cap Graffiti Shop & Gallery na Vila Madalena em São Paulo.

Da Carta Capital

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