Georges Ohnet: O Visconde de Sabugosa falou, relembrou e rasgou o verbo

Entrevistá-lo era um desejo que há alguns anos me consumia. Já havia falado com ele sobre isso algumas vezes, mas sempre acabava não dando certo.

Enfim, chegou o dia. Fui meio com um pé atrás, afinal, tivemos uma ‘rusga’ no passado, que, aliás, eu nem lembrava direito, se não fosse a lembrança dele dias antes da entrevista, mas isso conto no final desta prosa.

Ao chegar na casa de Georges, justamente na rua e no bairro que cresci, mas que saí há muito tempo, a Vila São Francisco, tive a certeza de que ali habitava uma pessoa de vasto conhecimento cultural, tal o número de livros, fitas de vídeo VHS (principalmente filmes), CDs e DVDs. Conheci a casa e fomos ao que interessava, o bate papo, que, sinceramente, não sei quanto tempo durou, talvez duas horas, talvez durasse até mais caso ele não tivesse clientes agendados (vocês também vão saber em breve). Com vocês, Georges Ohnet ou Visconde de Sabugosa ou Vovô Tanaka ou………………………………………..

Georges Ohnet. Do Visconde ao Reiki

Um dos ícones do teatro e da TV entre as décadas de 50 e 60, ele conversou com o Cotia Agora e além do agradável bate papo, mostrou documentos, imagens e sua história e o movimento cultural da época.

Muito conhecido por ter interpretado o Visconde de Sabugosa do Sítio do Pica Pau Amarelo, Georges Ohnet relatou detalhes de sua carreira que vão além deste personagem que durante décadas e interpretado por outros atores, divertiu crianças e adultos.

Morador de Cotia há muitos anos, abriu sua casa e sua vida para os leitores do Cotia Agora.

Paulista da gema

Georges Ohnet Pontes nasceu em 21 de setembro de 1931 na Rua Frei Caneca, em São Paulo. Na época, a família morava no bairro da Casa Verde. O nome foi um pedido da avó, que já havia batizado o pai de Georges com o nome Ohnet, depois que leu no final do século 19, o livro ‘O Grande Industrial’ do escritor francês Georges Ohnet.

Ao longo dos anos o nome causou uma confusão entre amigos, que viram em um jornal que Georges Ohnet (o francês) estaria em um novo filme no cinema, e perguntaram para o Ohnet brasileiro sobre seu novo papel na telona.

Outro amigo questionou-o sobre o que havia feito de importante na França para ter o nome de uma rua na cidade de Tolouse.

Infância, adolescência e o começo de tudo

Georges ainda bebê em comercial da Nestlé
Georges ainda bebê em comercial da Nestlé

O pequenino Georges Ohnet já virou estrela ainda bebê, quando participou de uma campanha do Nestogeno, um produto da Nestlé.

Passou infância e adolescência em São Paulo. A família toda trabalhou na Estrada de Ferro Sorocabana: “Meu avô ficou lá por 50 anos, minha mãe, meus tios, todos trabalharam lá, e eu fui levado pra lá aos 17 anos, aos 18 prestei concurso e aos 20 fui parar na tesouraria da Sorocabana, na sede, na capital. Nunca tinha visto tanto dinheiro na minha vida. Só na estação principal dava uma renda de 4 milhões de cruzeiros por dia”, conta Georges.

-Mas e a vocação artística, quando começou?

“Sempre tive vontade de fazer arte. Saí em busca, fiquei andando e não conseguia nada em São Paulo, acabei indo para o Rio de Janeiro em 1954 e fui lançado pelo Chianca de Garcia que era o maior nome do teatro musicado, como diretor”.

Eduardo Chianca de Garcia foi um dramaturgo, jornalista e cineasta português do século 20 radicado no Rio. Na capital do estado, Georges ainda trabalhou em 1955 em ‘Cupido nas Furnas’ e ‘Gente Bem do Morro’, com Grande Otelo e elenco.

-Essa passagem no Rio aconteceu sem ter nenhuma experiência no teatro aqui em São Paulo?

Não, nenhuma. Aqui eu não tinha feito nada. Aí fiquei no Rio, fiz a inauguração do Teatro da Tijuca, rodei, não fiz televisão lá.

Nesse período ainda trabalhou na Cia de Teatro Infantil com Alfredo Jacob e Kleber Afonso e rodando por muitas cidades com ‘Pluft, o Fantasminha’ e ‘Simbita e o Dragão’.

Daí voltei pra São Paulo e acabei fazendo a Cia de Revistas do Walter D’Ávila, pra viajar pro interior, fui fazer ponta e ajudante de contra regra, até que ele me encheu o saco também, virei as costas e vim embora. Ele me falou “Você precisa comer muito feijão pra ser alguém!” Daí eu respondi: “Pois é, mas aqui eu não como, não tem feijão. Então eu vou me embora e você vai pra……”, e vim embora pra São Paulo.

Depois disso acabei indo para a TV Paulista (Atual Globo), no programa da Meire Lino e da Carmen Artigas, ‘Macaquito O Delegado’, que só tinha personagem de bicho, programa infantil, que tinha a Célia Helena e mais um monte de gente. Só que me deram um galo pra fazer de personagem, eu não quis interpretar e aí mudaram meu personagem. Ainda trabalhei com a Dercy Gonçalves no grupo.

Depois disso consegui entrar no Tesp (Teatro Escola de São Paulo) que fazia programas na TV Tupi. Na emissora foram diversos trabalhos. Lá tinha novela duas vezes por semana e O Sítio do Pica Pau Amarelo. O Júlio Gouveia (diretor de teatro) fazia uma coisa muito bacana, ele decidia qual o texto que ia ao ar, escolhia o elenco, passava o texto com os atores e eu fazia o resto, isso tudo ao vivo, por que na época não havia programas gravados, tudo era ao vivo.

Georges como Visconde de Sabugosa no Sítio.
Georges como Visconde de Sabugosa.

Nesta época o Hernê Lebon, que interpretava o Visconde, ficou doente e eu assumi o personagem. Os espectadores só foram perceber a mudança de atores depois de um ano, tal a semelhança entre Hernê e eu, aliado à maquiagem muito bem feita. Nesta época ouve uma briga pela direção do programa, quando a personagem que interpretava a Emília insistiu em dirigir. Deu tudo errado no dia da apresentação com a direção dela, que saiu chorando depois.

Tempos depois o Sítio sairia do ar, para voltar nos anos 70 na TV Globo. O último capítulo do programa na TV Tupi não teve a participação do Visconde, interpretado por mim.

O Soldado Tanaka

Um dos maiores personagens interpretados por Georges, foi em 1959, na peça O Soldado Tanaka, onde ele interpretava o Vovô Tanaka. A peça montada por Sérgio Cardoso, que interpretava o soldado, era uma adaptação da obra do escritor alemão Georg Kaiser.

 

Na peça O Soldado Tanaka
Na peça O Soldado Tanaka

Diretor de TV no Maranhão

Depois de largar o Visconde, ajudou a fundar a TV Difusora, do Maranhão. Ficou de junho a dezembro de 1963, onde foi diretor artístico. “Montaram uma estrutura que as câmeras eram do tamanho de uma caixa de sapato. Eles não sabiam nada de TV. Um dos donos da TV era um deputado. O primeiro comercial que fomos fazer ao vivo era de uma máquina de lavar roupas. Pedi pro cameraman virar a câmera para ver a máquina funcionando e ele ficou com medo, achando que era pra colocar a câmera dentro da máquina”.

Eu vim pra São Paulo em 22 de dezembro de 63 pra passar Natal e Ano Novo, voltar pro Maranhão e assinar um novo contrato.

Dois atropelamentos e uma pausa na carreira

Georges contou em seus relatos dois acontecimentos em pouco tempo que deram uma pausa em sua carreira. Um renomado astrólogo disse que 1964 seria o grande ano do signo de virgem (signo dele, Ohnet). Num belo dia, 1º de janeiro de 1964 ele saiu na Avenida 9 de Julho em plena meia noite, quando um carro Renault lhe atropelou. Ele, sentado no chão, olhou o carro amassado e suspeitou de que teria acontecido um acidente. Não teve noção que era o próprio atropelado. Uma ambulância chegou e o levou ao hospital, onde disseram que tinha levado uma facada. Não era. Simplesmente um pedaço do para-brisa do pequeno Renault estava enfiado nas costas. Saiu do hospital e foi na casa de seu assistente (ele não lembra qual rua de SP) e voltaram até o local do acidente pra procurar os óculos. Daí falou com o motorista que havia lhe atropelado e este disse que o óculos foi parar no banco de trás do veículo. “Eu estava inteiro arrebentado, não tive fraturas, mas de minhas costas, durante três meses arranquei pedaços de vidro. Até hoje tenho um pedaço de vidro pousado no meu rim. Cada vez que eu faço uma radiografia tem aquele pedaço dentro de mim. Tem uma sombra escura”.

O ano de ouro do signo de virgem. Era 23 de março. No dia 30 de março teve a revolução, o Exército tomou conta do Brasil e abriu a ditadura militar. Dias depois eu estava atravessando a Praça dos Correios, ali no chamado ‘Buraco do Ademar’ (Nota: passagem subterrânea do Vale do Anhangabaú) com um camarada, eu o empurrei, só que nisso veio um carro e me atropelou. Quebrei a perna. Só fui conseguir trabalhar em 23 de dezembro de 64.

Após momento difícil, que venha o DER

Após a pausa por causa dos atropelamentos, Georges havia prestado concurso e foi trabalhar no DER. Trabalhava das 7 às 13 horas. Fazia hora extra até 15h30. Neste tempo, Georges fez alguns pequenos trabalhos artísticos. Dois anos depois, um chefe queria mudá-lo de função, já que ele exercia o trabalho de mecanógrafo sem saber da profissão. Ele disse: “Em três meses eu estou mexendo em todas essas máquinas”, o que realmente aconteceu.

Logo após, Georges foi questionado se saberia fazer um levantamento dos acidentes nas rodovias, dois meses depois apresentou as estatísticas de ‘desastres’ nas vias.

Nessa época, o diretor de teatro, Julio Gouveia, o encontrou trabalhando em uma loja de peças de refrigeração na Rua das Palmeiras, no bairro Santa Cecília e o convidou a voltar aos palcos.Mas, Georges em quatro meses virou o ‘chefão’ da loja.

O afastamento

Nos anos 70 George se afastou da TV e do teatro. Teve um problema de saúde e veio a ausência. Nos anos 80 veio morar em Cotia, em um residencial no Tijuco Preto.

Estava licenciado por nove anos no INSS e em 1989 se aposentou. Ficou muitos anos dentro de casa, saía de vez em quando para fazer compras. Um dia estava almoçando no antigo restaurante Tia Zica e foi convidado pelos donos a ir em uma palestra no Espaço Mizar Cristal, no bairro do Portão.

Ele pediu para os amigos não contarem que ele foi o Visconde de Sabugosa. Mas, não adiantou, pois todos souberam sobre seu personagem. Neste tempo foi convidado para frequentar o espaço.

Passado um tempo, o dono do Mizar, Roberto Pantarotto, o convidou para dar aulas de teatro para crianças e adultos. Com o tempo, o número de alunos e espectadores das peças lotava o local. Isso durou cerca de dez anos.

Neste tempo ele também fez programas de rádio. Começou na Rádio ECO, a primeira rádio FM comunitária de Cotia, sempre em parceria com o Mizar Cristal.

No seu programa, já sabendo da presença da Polícia Federal rondando a ECO, que estava operando de forma irregular, entrou no ar e já se despediu. A Rádio ECO foi fechada pela Polícia Federal. Então, Georges e um grupo de amigos da ECO montaram a Rádio Aquárius.

A Aquárius também foi uma importante rádio em Cotia. (Nota: Georges era diretor da rádio e suspendeu este jornalista (Beto Kodiak) por causa de obscenidades faladas ao microfone no programa Musikanervosa).

Na sequência, Georges montou grupos de teatro em Cotia, dava aulas, fazia apresentações no Mizar, mas, com o passar do tempo, deu um tempo nisso.

Foi aí que se aproximou do Reiki. Fez cursos, se especializou. Hoje atende em sua casa, na Vila São Francisco. Trabalha com Reiki, cromoterapia, terapia floral, fitoterapia, relaxamento e terapia holística.

Ao final da entrevista, fui surpreendido para tirar uma mensagem de uma pequena caixinha, que, sinceramente, não conhecia. A mensagem era: “Este é um momento de luta para qual seu espírito está sempre disposto. Poderá se machucar ao longo deste processo, mas também poderá saborear o gosto gostoso da vitória”. Um momento de mudanças, sim, que está acontecendo em minha vida, principalmente com a chegada do Jornal Cotia Agora.

Antes de encerrar, questionei o Visconde de Sabugosa:

-Georges, passados tantos anos, o que você achou do Sítio do Pica Pau Amarelo na TV Globo? A originalidade da obra não existiu mais?

Uma m…..Nos últimos tempos o Sítio foi adaptado para os dias de hoje e na cozinha tem geladeira e microondas. Eles só pegaram os personagens, esqueceram a originalidade da obra. Monteiro Lobato foi jogado no lixo.

Esse é o Georges Ohnet Pontes, polêmico, às vezes desbocado, mas com histórias que marcaram a TV e o teatro brasileiro. Para quem conviveu ou convive com ele, sempre uma nova lição e certeza de boas risadas.

Georges Ohnet atende como terapeuta holístico na Rua Monsenhor Ladeira, 74, Vila São Francisco. Telefones: 4148-6410, 9-9362-9941 e 9-7600-7476.

Um pouco do trabalho de Georges na carreira artística:
Forró no Limoeiro (54)
Cupido nas Furnas (55)
Pluft, o Fantasminha (57)
Simbita, O Dragão (58)
Macaquito, O Delegado (58)
Nicholas (58)
Angélika (59)
O Jardim Encantado (59)
O Soldado Tanaka (59)
A Lenda de São Nicolau (60)
Danielzinho e o Sono (61)
Pablo, O Índio (61)
O Sítio do Pica Pau Amarelo (62)
Meu Amigo Careteiro (63)
A Princesinha que Queria a Lua (??)
O Crime da Cabra (65)

Textos e peças escritas por ele:
Pollice Vazio (62)
O Anjo Calminho (70)
Era uma Vez uma Rainha Má (??)
Um Feiticeiro em Apuros (??)

Meu Amigo Careteiro
Meu Amigo Careteiro
No espetáculo Angélika, na TV Tupi
No espetáculo Angélika, na TV Tupi
O reverendo de Angélika
O reverendo de Angélika
Vovô Tanaka, interpretado por Ohnet
Vovô Tanaka, interpretado por Ohnet
Timon de Atenas (1959). George (sentado)
Timon de Atenas (1959). George (sentado)
Outra cena de Timon, George (ao fundo) e Ricardo Gouveia, na TV Tupi
Outra cena de Timon, George (ao fundo) e Ricardo Gouveia, na TV Tupi
1960 em Jeca Tatu. George (centro) com Dalmo Ferreira e Amandio Silva Filho
1960 em Jeca Tatu. George (centro) com Dalmo Ferreira e Amandio Silva Filho

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Um comentário em “Georges Ohnet: O Visconde de Sabugosa falou, relembrou e rasgou o verbo

  • 26/02/2015 em 15:28
    Permalink

    Parabéns Beto Kodiak pela matéria com meu amigo Georges Ohnet. Sei que o ele tem muitas histórias para contar. Obrigado Beto, pela bela homenagem. Meu amigo Georges merece.
    Um grande abraço a você e seus queridos leitores.
    De seu tbm leitor Hasurem Diniz Mendes

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