Estatuto da Criança faz 25 anos, mas meninos seguem na rua

Aniversário do ECA reacende debate sobre a lei que nasceu para proteger a infância

Há exatos 25 anos, os brasileiros ganhavam o Estatuto da Criança e do Adolescente. Criado para assegurar direitos e também deveres dos menores de idade, o ECA completa um quarto de século sob severa censura da sociedade. O principal alvo dos ataques são as punições — consideradas brandas por boa parte dos críticos — para crimes cometidos por jovens, tema da recente polêmica sobre redução da maioridade.

O Estatuto, no entanto, é uma legislação muito mais ampla do que apenas um elenco de punições. Ele nasceu com a ambição de proteger as crianças dos erros cometidos por adultos. Em 1990, o Brasil sofria uma série de críticas nacionais e internacionais pelo excesso de meninos de rua, drama que ainda persiste nas principais cidades do país.

Marcella Gavinho é assistente social e coordenadora do programa Circo Social do projeto Crescer e Viver, onde lida com 70 crianças e adolescentes carentes de 7 a 17 anos. “Eles nos colocam o tempo inteiro em xeque. É um desafio diário”, diz.

Para Marcella, que é uma ferrenha defensora do ECA, o país tem uma imensa dívida com os jovens. “Que dívida é essa? A precariedade do acesso à escola, ao esporte, ao lazer, à cultura. O Estado não cumpre o Estatuto”. Ela considera o ECA um avanço. “Antes, havia as primeiras-damas fazendo a política do assistencialismo e só. Durante décadas foi assim, sem esquecermos do Código de Menores, de 1927, que também veio para punir a infância”.

Em relação à redução da maioridade penal, a assistente social é enfática e afirma que o Brasil já pune seus jovens ao invés de ressocializá-los. “O sistema é tão precário que busca uma forma de punir ainda mais.”

Para Miriã Moreira, diretora do Colégio estadual jornalista Barbosa Lima Sobrinho, do Degase, deve haver um movimento da sociedade para que o ECA seja colocado em prática. “Quando o jovem é bem assistido, há um grande avanço”. Miriã, que convive diariamente com 176 jovens infratores, é contrária à redução da maioridade. “Não posso ser a favor se eu sei que o poder público não faz o dever de casa”.

Enquanto isso, nas ruas do Centro do Rio, L. , um menino negro, de 15 anos, ganha vida engraxando sapatos. Trabalha 12 horas por dia, cobra R$5 por cada serviço. Ele mora em Duque de Caxias e está fora da escola desde o final do ano e sonha em ser bombeiro.

L. conta que seus pais permitem que ele trabalhe e não pedem que qualquer contribuição financeira. O menino usa seu minguado dinheiro para comprar roupas e comer misto-quente com Coca-Cola, seu lanche preferido. “Não sei o que é ECA”, diz o garoto que, tampouco sabe o significado de redução da maioridade penal.

‘REDUZIR A MAIORIDADE É RETROCESSO’, afirma Rita Camata, relatora do ECA

Musa da Constituinte, a ex-deputada federal Rita Camata tem boas lembranças da época em que foi a relatora do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1988. Nesta entrevista, Rita, hoje no PSDB e longe das urnas desde 2010, condena a redução da maioridade penal e defende, em contraposição à medida que considera eleitoreira, modificação no Estatuto. “A redução é uma bomba atômica. Ela vai explodir lá na frente.” Confira.

1. Quais as lembranças daquela época?
— Olha, é importante resgatar o que o ECA significa para o país. Ele veio de uma mobilização popular, dos movimentos populares que nos procuraram para oferecer a ideia; veio da certeza de que era preciso amar e educar as crianças do nosso país. O senador Ronan Tito (PMDB-MG, militante cristão ligado à ala progressista da Igreja Católica) aceitou subscrever a emenda. E eu fiz a relatoria.

2. Então a senhora considera o ECA um avanço…
— Sim, vários avanços vieram do ECA, que cuida da criança desde o ventre da mãe: o pré-natal, a vacinação, a obrigação da criança estudar perto de casa, e outros. A mortalidade infantil também, a gestação assistida, o teste do pezinho. O ECA é uma lei generosa, o olhar de uma mãe para seu filho. É amor, limite e proteção. Foi um longo debate com audiências públicas, a primeira lei com participação popular. Foi lindo!

3. E a redução da maioridade penal, aprovada após polêmica manobra do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que foi derrotado na véspera?
— Sou contra. Ela está prevista no ECA, que pode ser modificado e é uma lei bem melhor que a penal, com punições aplicadas desde os 12 anos. É uma Justiça específica, não a Justiça criminal. Ela prevê ressocialização em locais adequados.

4. Então as mudanças devem ser feitas no ECA, não na Lei?
— Hoje há uma grande confusão. A maioridade está na Constituição desde 1946. Se é para mudar algo, que se aumente o tempo de restrição de liberdade. Esta lei foi fruto de um grande consenso de especialistas. Hoje fala-se muito desta lei à base de ‘achismos’, as pessoas não sabem o que falam. Há uma grande confusão entre maioridade e impunidade. No Brasil, só 7% dos crimes são solucionados.

5. A violência do país é culpa do adolescente?
— Virou panaceia falar que o adolescente é responsável pela violência, quando o que vemos é a omissão do Estado e da família. É um retrocesso sem tamanho reduzir a maioridade. Na Justiça comum, cair num juiz é uma loteria, e quem cumpre sentença neste sistema carcerário sofre. Redução é uma bomba atômica, que vai explodir lá na frente. Entendo o sentimento, mas é uma discussão histérica. O Estado é negligente, a família é negligente. Falta uma política preventiva, e o ECA não é cumprido. Redução é uma decisão política. Vamos parar de blábláblá, de jogar a responsabilidade na ECA. O ECA é limite, é amor e amor. O que precisa é o Estado cumprir com o seu papel!

Do O Dia