Carlos Gustavo: Três dedos escrevem mas o corpo todo sofre…

Se há atividade humana em que a proporção “90% de transpiração e 10% de inspiração” é válida, a caligrafia, certamente, é uma delas.

No esporte, nas artes, na engenharia, na medicina, no direito, em qualquer área em que o leitor desta coluna pesquisar, para uma atuação de qualidade devemos dominar inicialmente as técnicas de produção do ofício e, paulatinamente, temperá-las com doses generosas de inspiração e criatividade.

“Oh, leitor afortunado, antes de tocar um livro, lave suas mãos, vire as páginas cuidadosamente e mantenha os dedos bem longe das letras! Alguém incapaz de escrever não pode imaginar o imenso trabalho que é: escrever embaça os olhos e tortura cada mão – apenas três dedos escrevem mas o corpo todo sofre…”

Esta descrição (encontrada em um manuscrito do século VIII) nos dá a clara visão dos 90% de transpiração que mencionei no início deste texto. Hoje tudo é mais fácil: temos energia elétrica, comida em abundância, proteção contra o frio e muito mais, mas sem a prática dedicada, um calígrafo não poderá jamais atingir seus objetivos.

Compartilho aqui alguns conselhos  que não só me motivam a seguir em frente nesta aventura caligráfica mas servem para tudo na vida:

1.Forme uma ideia permanente da bela escrita por meio do estudo e contemplação dos modelos já existentes: observe seus detalhes, o modo de executar as curvas, o acabamento nos traços e os desenhos dos espaços em branco. Habitue os olhos à beleza de escrita e busque sempre compreender onde ela se esconde;

2.Lembre-se que a impaciência é o único verdadeiro obstáculo que nos impede de alcançar qualquer objetivo. A habilidade de um calígrafo é diretamente proporcional ao número de horas investidas em treino. Muitas pessoas começam com enorme entusiasmo mas se revelam incapazes de persistir diante de um bloco cheio de exercícios a serem preenchidos. Apenas a obstinação e o real desejo de progredir trazem a beleza dos melhores resultados. Comece com calma e não queira tornar-se um expert depois de apenas dois exercícios;

3.Busque sempre o máximo, não se acomode jamais e procure melhorar continuamente, mas ao mesmo tempo saiba reconhecer a apreciar cada mínimo progresso e, sobretudo, não se desencoraje para não transformar a caligrafia em motivo de frustração;

4.Seja o juiz mais severo de seu trabalho e também seu mais apaixonado admirador;

5.Estimule e cultive sua curiosidade de experimentar novos materiais e modelos diferentes, sem perder a consistência e a profundidade daquilo que está estudando no momento. Após dominar a técnica, encontre a sua interpretação pessoal.

6.Divida com os outros a sua habilidade, ensine aos principiantes e conviva com calígrafos experimentados: são garantias deque voltará ao seu trabalho com algo novo aprendido, com erros a corrigir e com estímulo renovado para criar inovar.

*¹Österreichische National Bibliothek – The most beautiful Bibles. FINGERNAGEL, Andreas e GASTGEBER, Christian – editores. Taschen. Londres. 2008. p.6.
²FIORILE, Carol. Fare calligrafia – giocare com carta e inchiostro. Stampa Alternativa. Roma. 1992. p.p.28-29.

Que tal aplicar tudo isto em sua vida? Só depende de você!

*Carlos Gustavo Araújo do Carmo – Calígrafo – [email protected]