Coluna da advogada Roberta Colombo: O impacto do coronavírus nas relações de trabalho

O mundo está em estado de alerta grave e emergencial decorrente do novo coronavírus que propagou de forma silenciosa e devastadora, provocando diversos tipos de repercussão nos âmbitos econômico, político e social.

Primeiramente, convém ressaltar que a nossa legislação, hoje, permite a flexibilização do contrato de trabalho para determinadas necessidades e essa, sem dúvida, é uma delas.

Diante do cenário que estamos vivendo, em 07 de fevereiro de 2020, foi publicada a Lei nº 13.979/20, a qual estabelece medidas de controle de combate ao novo vírus.

Contudo, mencionada Lei trata somente da ausência do empregado para fins de apuração ou tratamento da enfermidade, mais especificamente em seu art. 3º, § 3º, o qual dispõe que: “será considerado falta justificada ao serviço público ou à atividade laboral privada o período de ausência decorrente das medidas previstas neste artigo”.

O regramento em questão considera “falta justificada” ao serviço público ou à atividade laborativa privada o período de ausência em que o empregado afetado pela enfermidade estiver afastado, sob quarentena ou em isolamento.

Significa dizer, que diante da ausência justificada do empregado que se encontra na situação de isolamento (separação de pessoas doentes ou contaminadas, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus, podendo ocorrer em ambiente domiciliar ou em hospitais, pelo prazo inicial de 14 dias), o mesmo continuará a receber normalmente seu salário, sendo vedado qualquer desconto, e o afastamento será computado para todos os fins de direito, quais sejam, contagem do tempo de serviço para fins de aposentadoria, cálculo do 13º salário e férias, bem como o empregador ainda será obrigado a continuar realizando os depósitos do FGTS na conta vinculada do empregado. Trata-se a hipótese de interrupção do contrato de trabalho.

Caso o afastamento ultrapasse 15 dias, o que poderá ocorrer nos casos de isolamento, onde o prazo inicial de 14 dias poderá ser estendido por igual período, bem como poderá ocorrer nos casos em que o empregado se encontrar na quarentena (restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus e será determinada por ato oficial, sendo que o prazo máximo será de até 40 dias, podendo se estender por tempo necessário para reduzir a transmissão), o empregado deverá ser encaminhado ao órgão previdenciário – INSS, para as providências de praxe e recebimento de benefício previdenciário. Aqui, não é necessária a emissão de CAT, nem há que se cogitar em estabilidade provisória no emprego, haja vista que estamos falando de hipótese de suspensão contratual do contrato de trabalho. Entretanto, restando comprovado que eventual contágio se deu no local de trabalho, a doença poderá ser considerada como doença ocupacional e o afastamento previdenciário se dará na espécie B91, o que irá gerar a estabilidade de 12 meses após o retorno do empregado ao trabalho.

O empregado que for diagnosticado com a doença, seja por prescrição médica ou por recomendação de agente de vigilância epidemiológica, deverá ser isolado, não podendo exercer suas atividades laborais, nem no local de trabalho, nem de forma remota. Nesse caso, recomenda-se que o empregado apresente atestado médico que confirme a contaminação da doença.

A Legislação supra nada dispôs acerca das medidas de proteção no ambiente laboral, entretanto, o art. 3º da Lei nº 13.979/20, regulamentado pela Portaria nº 356/20, do Ministério da Saúde, traz um rol de medidas que poderão ser adotadas para enfrentamento dessa situação emergencial de saúde pública de importância internacional decorrente da enfermidade, merecendo destaque: (i) isolamento (afastamento de pessoas cuja doença foi confirmada); (ii) quarentena (afastamento de pessoas com suspeita de contaminação); (iii) determinação compulsória de exames médicos, testes laboratoriais, coleta de amostras clínicas, vacinação e tratamentos médicos específicos; (iv) restrição excepcional e temporária de entrada e saída do País e (v) requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas.

Assim, vemos que garantias constitucionais importantes, podem ser excepcionadas, ante à situação emergencial, desde que vinculada a um bem maior de proteção à saúde e vida de toda a coletividade. Dessa forma, o empregador pode, por exemplo, obrigar o empregado a se submeter a exame diagnóstico, testes laboratoriais, eis que o interesse coletivo deverá prevalecer, nesse caso, de forma excepcional, mas sempre com discrição e de forma individualizada.

Diante disso, no ambiente de trabalho, há consequências aliadas à necessidade de adoção de medidas por parte do empregador, ante a sua obrigação de garantir a proteção da saúde e segurança dos seus empregados, conforme prevê o art. 157 da CLT, até mesmo porque, a própria Lei nº 13.979/20 é bastante elucidativa ao estabelecer a determinação compulsória de exames médicos, testes, coletas, vacinação.

E, nesse cenário, algumas medidas podem ser tomadas pelo empregador a fim de adotar medidas preventivas.

Uma delas, é a adoção do home office ou do regime de teletrabalho, até mesmo sem a anuência do empregado, nesse caso excepcional, desde que o mesmo esteja munido de instrumentos que lhe permitam a execução do serviço, em caráter temporário e excepcional, plenamente justificado pela determinação de isolamento social, priorizando os empregados que se enquadram em alto grau de risco, quais sejam, os idosos, trabalhadores com doenças respiratórias e com baixa imunidade ou que estejam submetidos a tratamentos ou ainda os que, por recomendação médica, devam evitar o contato social nesse estágio de pandemia.

Caso a empresa opte pela adoção do sistema home office, recomenda-se que a condição esteja prevista no regulamento ou política interna da empresa, sem maiores rigores e formalidades, visto que os empregados continuarão a deter os mesmos direitos trabalhistas, inclusive com o recebimento de horas extras, diferentemente do que ocorre com o teletrabalho, regulamentado pela Lei nº 13.467/17, o qual, para sua validade, exige o cumprimento de diversas formalidades legais, inclusive contrato e/ou aditivo contratual com as estipulações contratuais concernentes às questões relativas aos equipamentos e infraestrutura. Nessa modalidade de trabalho remoto, o empregado não está submetido ao regime de jornada de trabalho.

De outra borda, caso o serviço não possa ser realizado à distância, tendo em vista o ramo de atividade empresarial, outra alternativa, menos onerosa, é a concessão de férias coletivas, observando o art. 139 da CLT, devendo o empregador comunicar e concedê-las imediatamente, com o pagamento antecipado e respectivo adicional do terço constitucional 2 dias antes do início da concessão, conforme previsto no art. 145 da CLT. As férias coletivas podem ser concedidas a todos os empregados ou determinados estabelecimentos ou setores, em até dois períodos, não inferiores a 10 dias, entretanto, o Ministério da Economia deverá ser notificado com a antecedência mínima de 15 dias, podendo ser justificável o não cumprimento do referido prazo pelo motivo de força maior dada a gravidade da pandemia, conforme art. 501 da CLT. Para tanto, a sugestão é que em todas as comunicações seja expressamente mencionado que a medida está sendo adotada por conta da pandemia do COVID-19, a fim de evitar a nulidade da concessão em futura discussão judicial.

Outra saída, é a própria redução da jornada de trabalho, mediante o pagamento proporcional dos salários, com base no art. 7º, VI da CF c/c art. 611-A da CLT, a fim de evitar a rescisão contratual ou o fechamento do estabelecimento empresarial. Entretanto, tal procedimento deverá ser chancelado pelo sindicato profissional que rege a categoria do empregado. Ou, ainda, a suspensão do contrato de trabalho mediante acordo coletivo ou convenção coletiva, conforme art. 611-A da CLT.

Licenças remuneradas são outra alternativa, hipótese na qual o empregador deixa o empregado em casa, sem trabalhar e sem prejuízo do percebimento do salário do período. São atos de mera liberalidade do empregador ou estão previstas na norma celetista e instrumentos normativos. Entretanto, se a licença for superior a 30 dias consecutivos ou mais, o empregado perde o gozo das férias e novo período aquisitivo se inicia após o fim do afastamento, conforme dispõe o art. 133, III da CLT. Nesse caso, ainda, o empregador poderá exigir que, na volta ao trabalho e pelo prazo de 45 dias, o empregado trabalhe por até 2 horas diárias a mais, sem o pagamento das horas extras, a fim de compensar o tempo em que não trabalhou, conforme art. 61, § 3º da CLT.

Poderá o empregador pactuar, ainda, a compensação antecipada de eventuais saldos existentes no banco de horas ou mesmo uma compensação posterior de horas de trabalho, em esquema a ser definido e delineado no futuro, observadas as limitações de 2 horas extras de trabalho por dia, em conformidade com o art. 61, § 3º da CLT.

Para os empregados que continuarem a laborar de forma presencial, deverá ser exigida a utilização de equipamentos de proteção individual adicionais e compatíveis com a manutenção da saúde e higiene do ambiente laboral, análise que deverá ser realizada por médico do trabalho, tais como: utilização de álcool gel, sabão e toalhas descartáveis nos sanitários, máscaras, luvas, aumento da distância entre os postos de trabalho (acima de 2 metros), não compartilhamento de objetos de trabalho (ferramentas, headphone), uso de objetos descartáveis (copos, xícaras) uniformes especiais (principalmente aos profissionais da área de saúde), dentre outros.

Lembrando também, que a manutenção de um ambiente laboral sadio e salubre é obrigação do empregador, com o fornecimento dos equipamentos de proteção individual e coletivo de trabalho, as quais deverão seguir os protocolos das autoridades sanitárias. A omissão do empregador poderá gerar a responsabilização para efeitos civis e trabalhistas, inclusive indenizações reparatórias, caso reste comprovado que o empregado contraiu o vírus em seu ambiente de trabalho.

O empregador, assim, deverá adotar as medidas divulgadas pela Organização Mundial da Saúde – OMS, de modo a promover a redução do risco do contágio do coronavírus nos ambientes laborais, quais sejam: (i) higienização das mesas e estações de trabalho com frequência; (ii) orientar os funcionários a lavarem as mãos com frequência e oferecer sabonetes e álcool em gel em suas dependências; (iii) fornecer máscaras e papel toalha; (iv) promover as boas práticas que vêm sendo divulgadas pelas autoridades sanitárias; (v) propiciar ampla conscientização dos empregados, fornecendo material adequado para que a assepsia pessoal e higienização de materiais possa ser realizada; (v) e, claro, bom senso para reconsiderar a exigência do empregado em compromissos que demandem aglomeração de pessoas ou contato interpessoal próximo, como viagens de trabalho, reuniões presenciais, eventos corporativos, congressos, palestras, etc.

Todas essas medidas poderão ser adotadas apenas em relação aos empregados não contaminados, vez que para os isolados ou em quarentena, deve-se observar a aplicação da Lei nº 13.979/20 e Portaria nº 356/20.

É tempo de propagarmos a união, a força e a solidariedade com o colega de trabalho, com a economia de quem provém e sustenta os empregos e acima de tudo com a sociedade em geral.

*Roberta Ferraz Colombo é advogada (OAB/SP nº 324.808) e escreve no Jornal Cotia Agora –
[email protected] – (11) 9-8803-4994

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