50% de internados por coronavírus tem complicações, mostra estudo

Metade dos pacientes que são internados por conta do coronavírus desenvolve uma ou mais complicações, segundo o maior estudo do tipo, publicado na quinta-feira (15) na revista médica inglesa The Lancet. A pesquisa analisou dados de 73.197 pacientes com 19 anos ou mais que receberam atendimento médico, entre janeiro e agosto de 2020, em 302 hospitais no Reino Unido.

Desse total, 36.367 (49,7%) tiveram pelo menos uma complicação de saúde –cardiovascular, respiratória, neurológica, renal, hepática, gastrointestinal e/ou sistêmicas– no período em que estavam no hospital, seja na ala de enfermaria ou em alas de cuidados intensivos. E passaram a ter mais dificuldade para cuidar de si mesmos após as complicações –algo mais proeminente em pacientes com menos de 50 anos.

Isso mostra um impacto na qualidade de vida, diz Gustavo Prado, pneumologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, que não participou do estudo. “É mais do que experimentar uma complicação, é ter, por essas complicações, um impacto sobre a sua condição geral, que diminui a sua independência”, afirma o médico, citando possíveis dificuldades em momentos teoricamente básicos do dia a dia, como tomar banho, trocar de roupa e se alimentar.

Não há dados na pesquisa, porém, sobre a condição dos pacientes após a alta, portanto, não há como saber o desenrolar da situação dessas limitações. “Vimos que, mesmo em pessoas previamente saudáveis, sem doenças registradas, complicações foram observadas em quatro em cada dez pacientes hospitalizados”, dizem, no estudo, pesquisadores de instituições britânicas como o Imperial College, a Universidade de Edinburgh e a Universidade de Nottingham, entre outras.

A pesquisa também mostrou que as complicações do vírus ocorreram em pacientes de todos os grupos etários, não só nos mais velhos. “Não podemos presumir que, apenas por ser jovem e não ter doença anterior, o paciente internado por coronavírus, não vai ter nenhuma complicação. Ele já teve uma gravidade de doença suficiente para ser internado”, afirma Prado. “Essa informação muito propagada, principalmente no início da pandemia, que só matava idosos não é verdade.”

De acordo com os autores da pesquisa, que continuam coletando dados prospectivamente, o desenho das políticas públicas têm que levar em conta não apenas a mortalidade ao decidir sobre medidas para evitar propagação da doença mas também considerar o “risco de complicações de curto e longo prazo para aqueles que sobrevivem à Covid-19”. “Os formuladores de políticas públicas devem esperar que grandes quantias de recursos de cuidados sociais e de saúde serão necessários para auxiliar os sobreviventes do coronavírus”, afirmam os autores da pesquisa.

As maiores taxas de complicações foram observadas em pacientes que necessitaram de UTI, algo esperado considerando outros estudos e observações ao longo da pandemia. Cerca de 82% das pessoas que precisaram de atendimento intensivo tiveram complicações. As mais comumente observadas foram lesão renal aguda e distúrbios respiratórios e sistêmicos –problemas associados a uma maior risco de morte. Outras complicações frequentemente encontradas foram lesão hepática, anemia e arritmia cardíaca.
Os menos comuns foram os distúrbios neurológicos, mas, ao mesmo tempo, foram os mais associados à redução de capacidade de autocuidado.

Os dados obtidos pelos pesquisadores mostram ainda o aumento da incidência de complicações conforme avançam as faixas etárias. Nas pessoas sem doenças de 19 a 29 anos, cerca de 21% (178 em um grupo de 839) apresentaram complicações após o corona. Considerando o grupo etário de 19 a 49 anos, quase 39% das pessoas (3.596 de 9.249) tiveram complicações. Por fim, essa taxa sobe para 51% nas pessoas com 50 anos ou mais.

Os autores apontam também que foi observada uma elevada mortalidade na pesquisa, com mais de 23 mil óbitos, ou pouco mais de 31% dos pacientes. A maior parte das pessoas observadas no estudo era do sexo masculino e branca, a média de idade era de 71 anos e cerca de 81% dos pacientes tinham ao menos uma doença. Segundo Prado, pneumologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, é importante cuidado para não extrapolar os dados obtidos para qualquer caso de corona. Isso porque a pesquisa foi desenvolvida com pacientes internados, o que pressupõe casos de coronavírus moderado ou grave.

“Não representa o comportamento médio do paciente daquela idade. Represente o pior subgrupo”, diz Prado. “Os pacientes que internam por coronavírus têm incidência alta de complicações em todas as idades.” Também vale destacar que a maioria (quase 86%) dos pacientes analisados tinha diagnóstico de coronavírus confirmado por exame PCR. O restante, considerados casos altamente suspeitos, também foram incluídos na análise porque os testes PCR não estavam amplamente disponíveis em todas as localidades no período de tempo abordado no estudo

De toda forma, esses pacientes sem resultado positivo por PCR tiveram resultados de complicações semelhantes aos observados no resto das pessoas com coronavírus confirmada. Como todo estudo, esse também tem limitações. Uma delas foi a grande pressão sobre o sistema de saúde do Reino Unido. Segundo os autores, isso poderia levar a uma seleção preferencial de pacientes em estados ainda mais graves e, consequentemente, a uma taxa maior de complicações. No entanto, “o risco disso é reduzido pelo desenho multicêntrico do estudo, considerando que os picos nas internações hospitalares variaram no Reino Unido ao longo do tempo”.

Segundo Prado, mesmo com a evolução do conhecimento sobre o coronavírus e, consequentemente do manejo de pacientes desde o primeiro semestre do ano passado –período em que foram colhidos os dados da pesquisa–, sistemas de saúde sobrecarregados resultam em aumento de mortalidade e piores desfechos nos pacientes.

No Brasil, as UTIs para corona se encontravam com níveis elevados de ocupação, o que mudou recentemente, chegando aos menores níveis do ano. Levantamento do jornal Folha de S.Paulo apontou que as capitais do país com maiores taxas de ocupação eram São Luís, no Maranhão, com ocupação de 90%, e Rio de Janeiro, com 86%.

Considerando as redes estaduais, porém, as maiores ocupações de UTI foram encontradas em Goiás, Paraná e Santa Catarina, todos com 81%. Apesar da melhora recente nos dados e da maioria dos brasileiros achar que a pandemia  está controlada no país, os níveis de infecção e mortes permanecem em níveis elevados. Atualmente, são registrados mais de 40 mil casos de coronavírus por dia no Brasil.

Da Folhapress