Sotaque caipira será “tombado” em cidade do interior de SP

Conselho abriu processo de tombamento da variedade linguística regional. ‘O que antes era pejorativo deve ser motivo de orgulho’, diz Mauro Rontani.

O linguajar falado em Piracicaba, no interior de São Paulo, já é conhecido no Brasil afora, pelo “erre” puxado e ênfase nas vogais, traços característicos do sotaque dos moradores da cidade. Mas agora, o dialeto “caipiracicabano” vai ser reconhecido como patrimônio imaterial. O Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural (Codepac) do município abriu, na sexta (13), o processo de tombamento da variedade linguística regional.

A proposta que objetiva oficializar o dialeto caipira local como identidade cultural da cidade foi apresentada por quatro entidades da cidade: o Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba (IHGP), a Academia Piracicabana de Letras (APL), o Instituto Cecílio Elias Neto (Icen) e a Associação Piracicabana de Artistas Plásticos (Apap).

Do preconceito ao orgulho
O procurador-geral do município e presidente do Codepac, Mauro Rontani, ressaltou o valor da iniciativa. “O que antes era pejorativo deve ser considerado motivo de orgulho para a cidade”, disse.

“Devemos aprofundar os estudos a fim de que o sotaque e o dialeto caipiracicabanos, como bem imaterial, possam fazer parte do nosso livro de tombo de registro imaterial e receber o título de Patrimônio Cultural de Piracicaba”, concluiu.

Processo
Com a aprovação do parecer, inicia-se o levantamento de informações que sustentarão o processo, com consultas a especialistas, de documentos históricos e registros de manifestações diversas.

Segundo a  historiadora do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba, Renata Gava, esse inventário é feito também com gravação de voz, imagens e escritas, que confirmarão a relação direta entre a formação da cidade e o que ficou consagrado como cultura caipiracicabana.

Renata explicou que o sotaque e o dialeto podem variar à medida que são diferentes também o acesso à cultura, a motivação e a capacidade de perceber e articular sons de modo diferente, como acontece com o linguajar caipira.

“Essa singularidade rústica pode ser justificada pela miscigenação dos primeiros paulistas e influências linguísticas, uma vez que os indígenas e mestiços tinham dificuldade em articular sons das letras B, D, F, l, LH, R, V e Z em determinadas sílabas”, afirmou.

A peculiaridade do dialeto caipira, segundo a historiadora, que ressoa em letras de modas, no ponteio da viola, carrega em suas pronúncias os ‘erres’, a troca do ‘L’ pelo ‘R’ e ‘LH’ pelo ‘I’, é o que define o linguajar caipira como a língua dos Bandeirantes”, explicou Renata.

No entender da historiadora, a supressão de fonemas na palavra ou a expressão excessiva das vogais, dá ao homem caipira a referência de introvertido e apressado. “Esse dialeto originou variantes e as manteve”, disse.

“Ele contém muitas formas arcaicas e característica coloquial, como o elemento principal deste falar, o R retroflexo, mas há também um padrão linguístico característico como a troca do L pelo R, assim como casos de R e S caírem quando final de palavra, o D das formas verbais em ando, endo, indo cai e vocaliza-se em I”, detalhou.

Cultura Piracicaba
De acordo com o jornalista Cecílio Elias Neto, estudioso da cultura piracicabana, o termo “caipiracicabano” é uma criação do professor Thales Castanho de Andrade. “O professor João Chiarini foi o grande responsável por propagá-lo. A minha missão sempre foi mantê-lo vivo. Porque a cultura caipiracicabana é a nossa identidade”, reforçou.

Da Capital
Segundo Elias Neto, o sotaque caipiracicabano nasceu em São Paulo, a partir da relação dos índios com os portugueses, e chegou até o interior pelos rios, fixando-se no Vale do Médio Tietê, onde está Piracicaba. “É uma questão regional que deveria ser defendida regionalmente, por todas as cidades que se consideram caipiras”, defendeu.

Cecílio explica que o caipiracicabano é uma língua em que a pronúncia do R se dá com a língua voltada para dentro, enquanto o carioca fala o R com a língua voltada para fora. “Por isso, onde um caipira fala, é logo notado. A língua é a sua identidade. Muitas vezes ele se vê em uma posição inferior, como se estivesse cometendo um erro. Isso é absurdo”, enfatiza.

Presidente caipira
O jornalista lembrou que o presidente Prudente de Moraes ficou conhecido como Biriba, o presidente caipira.

Do G1