Psicóloga Gabriela Uchôa aborda uma polêmica: “Cura Gay”

A psicóloga Gabriela F. de M. Uchôa, respondeu à entrevista de um grupo de estudantes da região a respeito da polêmica liminar concedida recentemente pelo juiz Waldemar Claudio de Carvalho, da 14° Vara do Distrito Federal; que na prática tornaria legalmente possível que psicólogos oferecessem “terapias de reversão sexual” popularmente chamadas de “Cura Gay”.

O objetivo do projeto estudantil é contribuir para maior conscientização do tema, possibilitando a formação de opiniões fora do senso comum e não influenciadas pela mídia.

Confira a seguir as considerações da especialista sobre o assunto

1- A respeito do polêmico projeto de lei, qual o seu ponto de vista pessoal e profissional?

Na realidade, a liminar em questão não chega a defender explicitamente a “cura gay” e também não derruba a resolução do CFP que proíbe a prática. Também não sugere de maneira explícita que a homossexualidade seja tratada como doença. Porém determina que as normas sejam alteradas de maneira a não impedir os profissionais de realizarem atendimento de reorientação sexual para aqueles que voluntariamente procurarem por isso.

 No meu ponto de vista (pessoal e profissional) a liminar concedida pelo juiz Waldemar é um tanto contraditória, podendo ser interpretada de maneira superficial, – ora, se há profissionais dispostos a realizar reorientações ou reversões sexuais e se há pacientes procurando tal serviço, não há porque impedir, certo? Errado. Não é tão simples se analisarmos de maneira abrangente e num contexto onde a sociedade ainda é tomada por intolerância e preconceito. Principalmente considerando a profunda violência psíquica que pode levar algumas pessoas a buscarem ajuda para uma adaptação forçada às regras sociais, numa tentativa de se encaixar no padrão daquilo que é aceito, mesmo que isso signifique uma “mutilação” daquilo que se é. Analisada sob esta perspectiva, a permissão para que psicólogos realizem a prática, abre brechas para que psicólogos vendam a prática e prometam a tal “cura”, o que acaba por se tornar um estímulo perigoso e poderoso para a manutenção da estigmatização e consequentemente uma violência contra a população homossexual.

2.- Se tal proposta realmente acontecer, o que muda na área de atuação do psicólogo?

A psicologia é uma ciência centrada no indivíduo, no paciente. E não existe justificativa para que a psicoterapia individual exista se não for única e exclusivamente para promover o bem estar e uma melhor qualidade de vida ao paciente em questão. É preciso aqui, lembrar que existem profissionais e profissionais. Para o profissional sério, que entende seu papel e respeita seu paciente acima de tudo, NADA muda em sua atuação. Se um paciente busca voluntariamente a psicoterapia, para seja lá o que for, incluindo orientações e/ou elaborações acerca de sua sexualidade; o papel do psicólogo é atendê-lo e auxilia-lo sem qualquer censura, discriminação ou preconceito. O processo psicoterapêutico conduzido por bons profissionais é embasado em diretrizes éticas, sendo assim uma ferramenta oferecida ao paciente num espaço livre, opcional e imparcial e isso é inerente a Psicologia. A questão aqui é que as orientações sexuais não heteronormativas são legítimas e o psicólogo não deve e nem precisa patologiza-las para ter a liberdade de trabalha-las em terapia

3- Sobre a psicoterapia para reversão sexual, como funcionaria tal tratamento dentro do consultório?

Não funcionaria. A começar pelo simples fato de que o conselho que regulamenta a profissão possui uma diretriz ética que reconhece como legítimas as orientações sexuais não heteronormativas e que proíbe “terapias de reversão sexual”. Isso de maneira nenhuma significa que eu não possa atender um paciente em sofrimento psíquico, que me procure trazendo sua orientação sexual como queixa. A queixa é o paciente quem traz e é papel do psicólogo trabalhar a questão. Ter problemas e questões a resolver, relacionados à sexualidade, não é algo restrito ao homossexual. Trabalhar a aceitação da sexualidade, autoconhecimento, auxiliar quando há dúvidas e/ou conflitos internos relacionados à sexualidade é muito diferente e muito mais complexo  do que “cura gay” ou “reversão sexual”. É um trabalho cuidadoso de entender e estudar o paciente em sua individualidade, respeitando seu contexto e sua angústia acima de tudo.

4- “Não existe cura para o que não é doença.” Sobre esta frase, você concorda ou discorda? E o que tem a acrescentar sobre toda a polêmica acerca do assunto?

Concordo com a frase. Se não é doença, não tem o que curar. E tá na hora de entender que falar sobre sexualidade, afetividade, identidade, desejo, etc.; é falar do subjetivo. Nossa sociedade parece correr numa busca incansável de padronizar, regrar e categorizar aquilo que não é padrão. Isso segrega. É como se as exceções precisassem se encaixar em alguma regra para “merecerem” aceitação e respeito. É uma necessidade de inventar regra pra aquilo que não tem regra.  Eu já vi gente generalizando a ponto de dizer que se o psicólogo atende gay é porque é a favor da “cura gay”. Daqui a pouco vai ter psicólogo se recusando a atender gay porque homossexualidade não é doença. Ouvi perguntarem: “E como fica o psicólogo gay?”     Já pensaram onde isso vai parar? É tudo interpretado de maneira muito radical. Ou isso, ou aquilo. Regra, regra, regra! Não tem fim! Assim como não existe cura para o que não é doença, não existe regra para o que é subjetivo. E enquanto a gente vai perdendo tempo tem um monte de questões objetivas precisando urgentemente de regra e controle, mas, isso aí é outro assunto..

*Dra. Gabriela Uchôa é psicoterapeuta, com atuação de destaque em nossa região há mais de 10 anos na área de saúde mental, comportamento humano, reabilitação e consultoria e é colunista do Jornal Cotia Agora.