Ibiúna: Ato público pede ao presidente veto total à Lei de Abuso de Autoridade

As cinco autoridades que fizeram pronunciamentos na manhã desta quinta-feira (22), durante ato de repúdio contra a “Lei de Abuso de Autoridade”, em frente ao Fórum de Ibiúna, promovido pelo juiz diretor da cidade, Augusto Mandelli, foram unânimes em uma reivindicação: querem que o presidente Jair Bolsonaro vete integralmente o Projeto de Lei nº 7596/17, já aprovado pelo Congresso Nacional.

Entre os presentes se encontravam os dois delegados de polícia de Ibiúna, investigadores, um deputado estadual, juíz, promotor, comandante da GCM, policiais militares, funcionários do Fórum, presidente do Conseg, poucos advogados que atuam na área criminal e populares.

Abaixo, reproduzimos, na íntegra, o discurso do juiz Augusto Mandelli, que considerou “covardes” os autores do projeto:

“Começo com uma lição eterna: “A lei, própria, primária e principalmente, diz respeito à ordem para o bem comum. Ora, ordenar para o bem comum é próprio de todo o povo ou de quem governa em lugar dele.” Contudo, como cada vez mais nítido, nem longe se cogita que os parlamentares brasileiros conheçam o Doutor Comum. Então, só resta lembrá-los que todo o poder emana do povo e em nome dele deve ser exercido.

O Projeto de Lei (PL) nº 7596/17, que tipifica os crimes de abuso de autoridade, foi aprovado no Senado Federal e na Câmara dos Deputados após acordo espúrio de vários partidos, incluindo o do Presidente da República, que devia repensar as pessoas próximas com quem se aconselha – inclusive políticos de sua própria família.

Redigido sem compromisso com a realidade brasileira e com a previsão de tipos penais extremamente vagos, o referido PL representa o exato oposto dos anseios populares.

Verdade seja dita: o povo quer policial na rua; delegado, advogado, promotor e juiz exercendo cada um o seu papel dentro do processo; e bandido, preso.

Mentem, sem pudor e sem vergonha na cara, aqueles que dizem tratar de lei democrática e republicana. Não: a lei visa unicamente beneficiar traficantes, assaltantes, sequestradores, estelionatários, receptadores e corruptos, impondo ao trabalhador e pai de família o ônus de suportar esses sujeitos livres e soltos. Tanto assim que nenhum de seus artigos é direcionado especificamente aos Poderes Executivo e Legislativo.

O PL visa, em primeiro lugar, solapar a atuação dos policiais e guardas, que representam o primeiro e maior escudo de proteção da sociedade contra bandidos e perigosas facções. Assim são os cerca de 20 artigos dedicados a estes agentes. Pelo PL, por exemplo, policial que reduzir a capacidade de resistência do preso, submetendo-o a situação vexatória, ou que permitir a um terceiro que filme o preso sem seu consentimento incorre em abuso de autoridade (arts. 13 e 14).

Também os delegados de polícia não foram esquecidos. O necessário caráter sigiloso do inquérito policial agora é tipificado como crime (art. 32).

Depois, o PL retira a liberdade do Ministério Público de proceder às investigações criminais. Exemplo disso é o tipo penal que criminaliza a instauração de procedimento investigatório em desfavor de alguém à falta de qualquer indício da prática de crime (art. 27). É crime, também, dar início à ação penal ou civil sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente (art. 30). Ora, é o promotor de justiça que deve, com liberdade, proceder a estas análises, sem receio de incorrer em crime de abuso de autoridade, até porque a lei processual prevê mecanismos para cessar eventual equívoco ou abuso por parte do órgão acusatório.

O Poder Judiciário, da mesma forma, é alvo do PL. De acordo com este a simples concessão de HC por tribunal é capaz de configurar crime de abuso de autoridade ao juiz que determinou a prisão (art. 9º).

Estes são apenas alguns exemplos. Não há um único artigo imune a justas e corretas críticas. Inegavelmente, o PL é resultado tanto de teorias utópicas e mal compreendidas, que foram incorporadas ao Direito Penal com o objetivo de retirar deste seu caráter punitivo, quanto do medo que corruptos sentiram nos últimos anos de terem que arcar com as consequências de seus atos ilícitos. O revanchismo e a retaliação são notórios.

O objetivo do PL é de fato colocar todo o já doente e precário sistema de segurança pública no lixo, obrigando o cidadão de bem a conviver, lado a lado, com indivíduos determinados a matar, roubar, traficar, sequestrar, assaltar a coisa pública etc.

Qualquer decisão que seja tomada pelo Presidente da República que não o veto integral do PL representará o maior e mais vergonhoso vexame do atual governo, que estará traindo a confiança e as justas expectativas de seu eleitor. Caso opte pelo veto parcial, é bom desde já alertá-lo: a vitória parcial do inimigo, aqui, significa a derrota total da sociedade como um todo.

Não há acordo viável e nem saída política a ser negociada. Espera-se apenas e tão somente o veto integral do PL. Deve-se lembrar do recente episódio do sequestro do ônibus no Rio de Janeiro e perguntar ao Presidente: “Afinal, o Senhor está do lado do povo que aplaudiu o atirador de elite e salvou a vida de mais de 30 reféns ou do lado daqueles que defendem a vitimização do sequestrador?”

A guerra cultura encontra-se em momento decisivo – e confiar nas virtudes de pessoas que têm contas a prestar à sociedade pode não ser a melhor decisão. Fosse para dar um recado ao Presidente, diria: “Presidente, apenas o povo está ao seu lado. O Senhor não tem o apoio da imprensa e nem do Congresso Nacional (em verdade, como ficou claro, sequer o seu partido o respeita e seus filhos, ao menos neste episódio, parecem não se preocupar com o seu eleitor). É hora de mostrar de que lado está: do cidadão de bem e da justiça ou de quem defende bandido.”

O Presidente da República deve ser lembrado de suas promessas de campanha, dentre as quais o endurecimento da lei penal e a priorização da segurança pública, promessas estas que podem ir para o ralo com este PL, levando junto a confiança do povo brasileiro neste governo. Aproveitando o ensejo, lembro que se encontra em trâmite avançado um pitoresco Projeto de Novo Código Penal (nº 236/12), que diminui penas de crimes graves, descriminaliza o aborto e outros tantos absurdos.

Quanto à postura dos magistrados, quero crer que nenhum irá se acuar, se sentir amedrontado ou jogar a toalha a fim de se preservar contra os efeitos deste PL (se aprovado for). Esta é a vontade dos inimigos do povo. É hora de mostrar coragem e provar aos brasileiros que também nesse momento nós os representamos – haja o que houver, doa a quem doer.

É uma lei escrita e aprovada por covardes que não têm coragem de mostrar a cara fora de seus gabinetes ou de debater seriamente o conteúdo desta lei (aliás, sequer tiveram coragem de votar o PL nominalmente na Câmara dos Deputados) – e os juízes não devem se rebaixar ao nível dessa gente.

Se for para mudar a conduta, que seja para endurecer e tornar ainda mais efetiva a captura de bandidos, a investigação criminal, a persecução penal e a aplicação da pena. É isto que a sociedade espera e os magistrados não têm o direito de se acovardar. Não é porque este PL é ilegítimo que os juízes podem também agir de forma ilegítima.
Não se está aqui advogando o descumprimento de texto legal. Já disse antes e repito: juiz é escravo da lei. Mas, já que começamos com ele, não custa lembrar antiga lição de Sto. Tomás: “se surgir um caso em que seja danosa ao bem comum a observância de uma lei, esta não deve ser observada.” Que venham, então, as consequências.”

Por Carlos Rossini – Vitrine Online