É ilegal criar estacionamento privativo?

Ao tratarmos acerca dos estacionamentos privativos para clientes enfrenta-se uma seara horizontal que toca em diversas áreas: instrumentos de política urbanística, legislação de trânsito, direito administrativo e análise de interesses público e privado.

No presente artigo, vamos tratar distintos pontos que tem como objetivo esclarecer, de uma vez por todas, aspectos centrais nessa discussão tentando sanar as principais dúvidas, recorrentes nos debates entre especialistas.

Conceito de Estacionamento Privativo

Inicialmente, se faz necessário, para melhor entendimento do tema enfrentado, definir o que é estacionamento privativo e seus elementos de caracterização. Estacionamento privativo é um espaço destinado para veículos, geralmente instituído por uma pessoa jurídica privada, com o objetivo de ofertar a seus clientes e visitantes uma área exclusiva para que possam estacionar veículos automotores gerais (carros, motos, etc…).

Trata-se, inclusive, de uma estratégia muito utilizada, em especial, nos centros urbanos onde há, nas grandes cidades em regiões de maior circulação, uma demanda reprimida para esse tipo de espaço.

Em tese, a busca por essas vagas ocorre por uma conjunção de fatores, entre eles: a falta de oferta pública de guias próprias para estacionamento (em especial, nos grandes centros), uma busca por maior segurança para a guarda do veículo e o atendimento a comodidade, visto que facilitariam ao usuário/consumidor o acesso mais próximo ao serviço ou bem desejado.

Assim, por exemplo, é muito mais cômodo estacionar em um local privativo, localizado em frente de uma farmácia, do que ter que parar a vários quarteirões de distância da mesma e caminhar todo o percurso para comprar um simples medicamento.

É importante ressaltar que a instituição desses estacionamentos não é ilegal por si só, mas sim a forma que é realizada, em muitos casos, é o que tornam muitos desses espaços irregulares ou ilegais (como, por exemplo, instituir tais vagas sem ter autorização do poder público ou sem observância dos limites ou casos legais, que serão abordados adiante).

Legalidade da Instituição do Estacionamento Privativo

Um ponto de suma importância aqui, para esclarecermos tal assunto, é debatermos acerca de como esse estacionamento exclusivo para clientes será instituído, explica-se: não é proibido um shopping center ou um pequeno comércio instituir, em uma área da propriedade particular, um espaço para que seja utilizado por seus clientes, com o objetivo de aumentar o interesse da clientela, pela facilidade ofertada.

Entretanto realizar modificações em áreas públicas como, por exemplo, rebaixar uma calçada e criar um espaço para vagas exclusivas de clientes, restringindo o espaço público e sem observar a legislação urbana é terminantemente ilegal.

A Resolução 302, de 18 de dezembro de 2008, do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) estabelece, ao longo de seu texto, uma série de regras que devem ser respeitadas com relação a instituição de vagas de estacionamento e a regulamentação dos espaços urbanos para tal finalidade.

Em uma primeira análise, o artigo 6° estabelece que “Fica vedado destinar parte da via para estacionamento privativo de qualquer veículo em situações de uso não previstas nesta Resolução”.

Algumas dúvidas surgem, a partir da leitura do dispositivo, vamos abordá-las.

Um dos exemplos mais claros dessa transgressão ocorre ao ter a calçada, geralmente em frente a um comércio, com a guia modificada e rebaixada, sem observância das normas legais, havendo uma restrição para uso geral utilizando-se, na maioria dos casos uma corrente ou distintos aparatos que impeçam o acesso por parte da população em geral.

Aqui temos dois problemas: o primeiro, como observado na resolução anterior de lesão a legislação de trânsito e um segundo, de cunho urbanístico, da realização de uma intervenção em espaço público, sem permissão ou autorização da Administração Pública.

Quais seriam essas situações previstas que permitiram os estacionamentos privativos, em partes específicas da via?

A própria resolução nos fornece essa resposta em seu texto, por exemplo, no artigo 2°, inciso II, estabelecendo, entre outras, uma área para o estacionamento de veículos de portadores de necessidades especiais (“Área de estacionamento para veículo de portador de deficiência física é a parte da via sinalizada para o estacionamento de veículo conduzido ou que transporte portador de deficiência física, devidamente identificado e com autorização conforme legislação específica”). Ademais destacam-se outros casos na própria resolução caso o veículo seja: ambulância, veículo de idoso, viaturas policiais, etc…

O Plano Diretor e os Estacionamentos Particulares

Como já abordado anteriormente, não é ilegal instituir estacionamentos privativos, particulares ou exclusivos, desde que sejam constituídos com observância da Resolução 302/2008 do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) e das regras de planejamento e políticas públicas urbanas.
No caso do Brasil um dos principais instrumentos que trata dessa questão é o Plano Diretor, ferramenta fundamental no desenvolvimento urbano e social das cidades.

Em uma forma simples, podemos definir o Plano Diretor como um guia obrigatório, que deve ser seguido pelos Prefeitos para organizar os Municípios em diversas áreas de importância: educação, transporte, saúde, etc…

Tal instrumento foi instituído pela Lei 10.257 de 10 de julho de 2001, conhecida como Estatuto das Cidades, que estabeleceu as diretrizes gerais de política urbana, tornando aquele, em seu artigo 41, inciso I, obrigatório para cidades que tenham mais de 20 mil habitantes.

Também é importante ressaltar que tal documento deve ser revisto, a cada 10 anos, para poder ser atualizado e adequado com as mudanças e anseios sociais da população, naquele período.

Conclusão

Por fim, após todo o exposto, conclui-se que a instituição de estacionamentos privativos é permitida desde que em respeito a Resolução 302/2008 do CONTRAN e o estabelecido nas mais diversas leis de cunho urbanístico, entre elas, o Estatuto da Cidade.

Com relação a criação de vagas, como é de fácil observação nas grandes cidades, em frente ao estabelecimento, por meio de rebaixamento de meio fio e a instituição de um estacionamento de recuo, duas coisas devem ser esclarecidas:

a) Tal situação só é permitida caso tenha autorização para tal, sendo que esta não pode atentar contra o Plano Diretor e a Resolução 302/2008;

b) Tais vagas, com meio-fio rebaixado, não podem ser exclusivas para clientes do estabelecimento, visto que, estaria sendo restrito o direito da população como um todo em benefício de poucos, com o uso de área pública.

Sendo assim, ao obedecer os dois itens acima, não é ilegal criar um estacionamento privado, seja ele dentro da propriedade privada ou em modelo de recuo (em frente ao estabelecimento), porém, neste último caso, o que torna a prática ilegal é impedir que qualquer motorista possa utilizá-lo (seja pelo uso de correntes, cones ou cavaletes, por exemplo), visto que se localiza em espaço público, sendo de interesse amplo e social.

Do Trânsito Web