Cotia Retrô: “Food Truck” já invadia Cotia há quatro décadas

*Texto publicado originalmente em 30/7/2015

Hoje virou moda, principalmente na Capital, os chamados food trucks, veículos normalmente utilitários e pequenos caminhões adaptados com uma cozinha, balcão e demais instalações, onde se vende de tudo em termos de comida, de lanche a pizza, de culinária japonesa a bebidas variadas.

Mas, você sabia que Cotia já teve food truck no final da década de 70? Sim, talvez o primeiro food truck da região surgiu em 1977 e ficou em atividade até 2011.

Ainda não matou a charada? Pois bem, quem não se lembra do Zé do Cachorro Quente e sua caminhonete baú vermelha?

Saiba um pouco da história deste pioneiro do food truck, que infelizmente nos deixou em 2011:

Baiano de Ilhéus, morador de Carapicuíba, mas que tinha Cotia no coração.

Se você sair às ruas de Cotia e perguntar sobre José Cosme de Souza, com certeza ninguém saberá quem é esta pessoa. Mas se você perguntar sobre o “Zé do Cachorro-Quente”, com certeza vão te dizer quem ele foi e os mais antigos contarão muitas histórias.

Apesar de nunca ter morado em Cotia, e ser de Carapicuíba, Zé foi figura carimbada na cidade. Vendeu cachorro-quente por 34 anos na praça em frente à Doceria Fantasias, bem antes desta existir.

Zé, baiano de Ilhéus, veio cedo a São Paulo para trabalhar. Aqui já moravam dois irmãos e uma irmã. No início as dificuldades com a vida nova em uma cidade grande foram enormes. Ele teve vários empregos. Trabalhou alguns anos nas Indústrias Matarazzo e quando saiu de lá, comprou um carrinho de cachorro-quente e foi trabalhar na rua. Depois disso, montou barraca de frutas, bar e voltou ao cachorro-quente.

Zé e alguns de seus clientes assíduos: Leandro (Espiga), Juba, Nando e Minhocão
Zé e alguns de seus clientes assíduos: Leandro (Espiga), Juba, Nando e Minhocão

A oportunidade de trabalhar em Cotia veio em 1977 através de um feirante japonês. Ele queria vender os lanches na feira livre da cidade, mas os fiscais da prefeitura não deixavam.
Através do japonês, Zé conversou com o prefeito da época, Carmelino Pires de Oliveira, que liberou a licença para que pudesse trabalhar.

Vinha de madrugada de Carapicuíba para Cotia. Chegou a trabalhar em feiras de Cotia, Vargem Grande, Granja Viana e Portão. Às quatro da manhã montava seu carrinho na feira e só ia embora quando todas as barracas estivessem desmontadas.

Com o passar do tempo, começou a vir mais cedo trabalhar. Vinha às duas da manhã, depois à meia-noite e anos depois às 22 horas.

Foi nessa época que Zé viu o seu negócio prosperar. Ele vendia lanches para o pessoal que saía das baladas da época.
Me lembro que tinha baile sempre lá no Eduardo’s Park e o pessoal passava na ida e na volta comer lanche“, lembrou um Zé saudosista da época que Cotia era “pequena”, como ele mesmo dizia em entrevista à esse repórter em 2009.

Na época não existia loja de conveniências em Cotia. Para “matar a fome” na madrugada, existia o cachorro quente do Zé e os lanches do “Bar-sem-Porta” do Nelson Mathias.
O “Zé” era ponto de encontro da galera da época.

A popularidade dos lanches era tanta, que pessoas vinham dos bairros da Zona Oeste da capital para saborear o delicioso cachorro quente. Famílias que vinham passar os finais de semana em chácaras da região aproveitavam para saborear o tradicional ‘dog’ do Zé.

O caminhãozinho de Zé na garagem de sua casa
O caminhãozinho de Zé na garagem de sua casa

Em um determinado momento da vida de Zé, o ex-prefeito Mário Ribeiro mandou fiscais proibirem que ele vendesse os lanches. Um movimento foi lançado por uma freguesa que mandou carta ao ex-prefeito dizendo que “Cotia sem o Zé, não era Cotia” e conseguiu algumas assinaturas para que MR deixasse-o trabalhar normalmente, coisa que aconteceu depois de algum tempo.

Aliás, ele nunca se envolveu com política. “Aqui já vieram todos os ex-prefeitos, vereadores e gente da alta sociedade. Trato todo mundo muito bem e também sou muito bem tratado por eles“, disse Zé em 2009.
Perguntado sobre “calotes”, Zé não cita nomes, mas diz que tinham alguns “esquecidos” que comiam e iam embora sem pagar os lanches.

Ainda aparecem clientes antigos por aqui. Os mais frequentes são o Mansur da loja, o Zé Antônio, o Nei e mais alguns que vem aqui comer um lanche” lembrou na época da entrevista.

A relíquia foi vendida pela família após sua morte
A relíquia foi vendida pela família após sua morte

Quando ainda era vivo, ele disse ao repórter Beto Kodiak que foi assaltado apenas duas vezes nos 34 anos, mas comentou que a cidade estava mais perigosa do que antes. Já sofreu um acidente há alguns anos no percurso para Carapicuíba de madrugada. Nunca ficou doente. Disse que quando saía de casa, pedia a Deus que o guardasse na estrada e no local de trabalho.
Em 1999 largou a feira e passou a vender somente na pracinha. Ele começava o expediente às 17 horas da sexta, sábado e domingo.

Em 2009 em um determinado momento da entrevista, Zé disse que não fazia planos para o futuro, mas pensava em largar a vida de vendedor de lanches e fazer carreto com sua caminhonete.

O cachorro-quente do Zé era básico, e este era o segredo: Pão (francês ou banha), purê (delicioso), salsicha, maionese, mostarda e catchup. Nada de batata-palha e aquele monte de ingredientes que se vê por aí nas vans de “hot-dog”. Depois de alguns anos ele começou a fazer um lanche com carne cozida, que também era deliciosa e muito bem temperada.

Zé foi casado por 38 anos e pai de um casal de filhos. Em 7 de maio de 2011, aos 69 anos, ele sofreu um acidente automobilístico em Carapicuíba e deixou este mundo.

Os amigos e clientes lamentaram muito a morte de Zé e ele ainda é muito lembrado até hoje em Cotia, com seu jeito brincalhão, às vezes rude, dando bronca nos mais folgados, mas foi um homem que marcou a cidade e deixou saudades.

José Cosme de Souza, o popular “Zé do Cachorro-Quente” ainda é personagem vivíssimo de Cotia.

Fotos: Beto Kodiak, Adeilde Santos (filha de Zé) e Facebook de Juba Polak

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