Economista Mauro Calil: “A explicação matemática para aumento da inadimplência”

Há algum tempo reencontrei um amigo de infância. Um daqueles com quem jogava bola, ia a shows na adolescência, dormíamos um na casa do outro de vez em quando, nos metíamos nas mais diversas e inocentes encrencas e, também, saíamos juntos delas, enfim amigão mesmo.

Ele me viu na TV, buscou meu nome na internet e me ligou convidando-me a ir visitá-lo em sua casa recém-construída. De pronto aceitei o convite.

Obviamente fui muito bem recebido por um casal super orgulhoso de suas conquistas materiais, seu contentamento somente era menor que a felicidade de terem gerado dois filhos. Mostraram cada cômodo da casa, a área de churrasqueira, piscina, lareira, a cozinha com eletrodomésticos novinhos e todas as quatro TVs de tela plana, uma para cada pessoa dentro da casa nova.

Enquanto as crianças brincavam e nossas mulheres se conheciam (àquela época eu era casado), meu amigo fazia o churrasco e relembrávamos as mesmas histórias e piadas de 30 anos atrás (ou mais). Conversa vem, conversa vai perguntei a ele por que ainda não havia colocado vidros nas janelas? Afinal bastava abrir as venezianas para que o vento soprasse muito. Com venezianas fechadas soprava menos.

A resposta foi simples: “Tá louco Mauro? Você viu a quantidade de vidros que tenho que colocar nesta casa? O vidraceiro divide em no máximo três vezes. Assim que terminar de pagar algumas contas, vou juntar para isso.”

Ah OK. Pensei e respondi eu. Afinal trata-se de meu amigo e do dinheiro dele. Mas a atitude dele me fez pensar novamente em prioridades e premissas. Meu raciocínio é simples, para quem possui 4 TVs super modernas, para quem tem uma piscina para manter, acredito que possa comprar vidros para as janelas, afinal seriam mais importantes. Ao menos para mim seriam.

As conquistas daquela família, e de muitas outras, foram galgadas no crediário. Na recém-formada cultura financeira do brasileiro encapsulada na frase “cabe no bolso”. Tal cultura é galgada em premissas temporais e por vezes etéreas como, ter um bom emprego e empregabilidade, ou se for mandado embora conseguir uma recolocação rápida. Ou ainda, o Brasil está crescendo e a inflação sobre controle. O fato é que tudo isso está passando, está se deteriorando, e as dívidas dos indivíduos e famílias continuarão.

Já quis estar errado sobre isto, mas os números crescentes da inadimplência no Brasil mostram que isto está correto. A inflação em seu voo suave pressiona orçamentos onde a prestação de quatro televisores que seria plenamente aceitável, não mais será em pouco tempo. Vejamos em números.

Imagine uma família com Receita Familiar total líquida de R$ 5.000,00, despesas com parcelas de tudo que é pago via financiamento: R$ 1.750,00 (35%), demais despesas da família R$ 3.000,00. Portanto sobram R$ 250,00.
Mesmo que todo o financiamento seja feito em parcelas fixas, as demais despesas como água, luz, telefone, alimentação, escolas, transporte, etc. sofrerão a ação da inflação, que ao alcançar 10%, transformarão os gastos de R$ 3.000,00 em R$ 3.300,00, portanto fazendo faltar R$ 50,00 no orçamento desta família.

Para todos que deram vazão aos seus sonhos de consumo usando o caminho do crédito, incluindo meu amado amigo que permitiu usar seu exemplo neste artigo, sugiro que verifiquem a duração de suas prestações. Tomara que terminem antes da inflação alcançar de forma devastadora as demais despesas e o orçamento familiar.

Rever seu orçamento e investir melhor, com mais rentabilidade, mas, a mesma segurança dos grandes bancos, são atitudes que podem eliminar o aperto de qualquer orçamento.

*O professor Mauro Calil é  especialista em investimentos no Banco Ourinvest. É também  palestrante e autor dos livros “Receita do bolo” e “Separe uma verba para ser feliz” e proprietário da Academia do Dinheiro, instituição especializada em cursos de educação financeira e finanças.  Possui mestrado pela USP e Pós Graduação em Marketing pela ESPM e certificado pela ANBIMA como CEA.