Após polêmica no RS e Cotia, liberação de sacrifício de animais em rituais religiosos é adiada no STF

Polêmica da liberação surgiu no Rio Grande do Sul e depois em Cotia, onde Lei proibia o abate. Dois ministros votaram a favor dos sacrifícios.

Após um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, o STF – Supremo Tribunal Federal suspendeu o julgamento sobre sacrifício de animais durante rituais de religiões de matriz africana. Até o momento, os ministros Marco Aurélio Mello, relator do caso, e Edson Fachin votaram pela constitucionalidade de sacrifícios de animais em rituais religiosos.

O plenário discute uma lei estadual do Rio Grande do Sul que deixou expresso que é possível o sacrifício em situações de religiões de matriz africana. A autorização foi acrescentada no Código Estadual de Proteção aos animais, que veda agressão e crueldade.

Contra essa previsão adicionada, o Ministério Público gaúcho entrou com recurso no STF. A decisão do plenário da Corte afeta apenas a lei do RS, mas expõe o entendimento dos ministros do STF, última palavra do judiciário brasileiro, sobre o tema.

Lei de Cotia é caçada pela Justiça

Em 2016, a Lei 1.960, de autoria de Sergio Folha, vereador à época, fixou multa de R$ 1.504 a quem utilizar, mutilar ou sacrificar animais em locais fechados e abertos, com finalidade “mística, iniciática, esotérica ou religiosa”. As pessoas jurídicas que promovessem as mortes seriam obrigadas a pagar R$ 752 por animal e poderiam perder o alvará de funcionamento.

Logo de imediato, a pedido de entidades religiosas do município, o Psol moveu ação pedindo que o texto fosse declarado inconstitucional. Uma liminar suspendeu a validade da regra em novembro de 2016.

O relator do caso, desembargador Salles Rossi, reconheceu a necessidade de se preocupar com animais, mas disse que prevalece no caso o livre exercício de culto. Segundo ele, a proibição é desproporcional, porque não há relatos de grande número de sacrifícios no município.

Já o decano do tribunal, Xavier de Aquino, disse que pouco importa a quantidade de animais mortos. Em voto divergente, ele declarou que a Constituição obriga a preservação da flora e da fauna, citou estudos sobre a sensibilidade dos mamíferos, aves e demais criaturas (apoiado por pesquisadores “notórios”, como Stephen Hawking) e afirmou que liberar sacrifícios esbarraria na dificuldade de fiscalizar como a prática tem sido feita. “Será que Deus deseja o sofrimento causado ao outro?”, questionou.

O Tribunal de Justiça de SP entendeu que uma vez que já existem leis que punem maus tratos aos animais, os legisladores não podem proibir o sacrifício em cultos religiosos, pois isso representaria uma restrição à prática religiosa.

Mais um embate entre as partes e o caso foi para o STF, que já analisava o processo do Rio Grande do Sul e o pedido do Ministério Público daquele estado para proibir os sacrifícios.

Repercussão em Cotia

Houve muita repercussão na época, após matérias do Jornal Cotia Agora. De um lado os praticantes de religiões africanas defendendo o uso de animais nos rituais e do outro, os ambientalistas e defensores pedindo a proibição.

O que disseram no STF nesta quinta-feira

Primeiro a se posicionar, o ministro Marco Aurélio defendeu que o sacrifício de animais é aceitável se forem afastados os maus-tratos no abate, e se a carne for direcionada ao consumo humano. O ministro ainda entendeu que o sacrifício de animais é constitucional em ritos religiosos de qualquer natureza, não restringindo às religiões de matriz africana.

“Revela-se desproporcional impedir todo e qualquer sacrifício religioso de animais, aniquilando o exercício do direito à liberdade de crença de determinados grupos, quando diariamente a população consome carnes de várias espécies. Existem situações nas quais o abate surge constitucionalmente admissível, como no estado de necessidade – para a autodefesa – ou para fins de alimentação”, afirmou Marco Aurélio.

Fachin, por sua vez, votou para negar todo o recurso apresentado pelo MP estadual. Para o ministro, não é errado que a lei tenha feito uma designação especial às religiões de matriz africana. “Não ofende a igualdade, ao contrário, vai a seu encontro, a designação de especial proteção a religiões de culturas que, historicamente, foram estigmatizadas”, observou Fachin, que não propôs condicionar o abate ao consumo da carne. O ministro procurou apresentar seu voto mesmo após o pedido de vista de Moraes. Não há previsão de quando o julgamento será retomado.

Em nome do governo estadual, o procurador do Rio Grande do Sul, Thiago Holanda Gonzalez, afirmou que a lei não traz nenhum prejuízo ao caráter laico do Estado. “A liberdade de culto dessas religiões decorre da Constituição. Mas a lei não é inócua. Ela retira o constrangimento às religiões de origem africana. O Rio Grande do Sul nunca permitiu a crueldade (com animais)”, afirmou.

Representante da União de Tendas de Umbanda e Candomblé do Brasil, o advogado Hédio Silva Júnior criticou a ação do Ministério Público do RS. “Parece que a vida de galinha de macumba vale mais do que a vida de milhares de jovens negros. É assim que coisa de preto é tratada no Brasil. A vida de preto não tem relevância nenhuma. A vida de preto não causa comoção social, não move instituições jurídicas. Mas a galinha da religião de preto, ah, essa vida tem que ser radicalmente protegida”, questionou na tribuna do Supremo.

Na ação apresentada em 2006, o MP estadual destacava que a restrição adicionada pela lei é desnecessária, já que a liberdade de religião é constitucionalmente garantida. Alexandre Saltz, representante do Ministério Público do RS que falou nesta quinta no STF, no entanto, foi mais enfático nas críticas ao texto.

“A proteção aos animais chegou a um limite tão extremo que o Superior Tribunal de Justiça discutiu a guarda de um cachorro na separação de um casal”, destacando que os animais deixaram de ser caracterizados como ‘coisas’. “Morte desnecessária é tratamento cruel”, disse.

Da Redação do Jornal Cotia Agora com Amanda Pupo e Rafael Moraes Moura (O Estado de S. Paulo)